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Mimica em momento de descontração com a comunidade Sanumá (Reprodução do Facebook) |
Desde 1991 vivendo no
leste de Roraima, Mimica é nacionalmente conhecido pelo intenso e positivo relacionamento
com a cultura indígena
Por Larissa Mazaloti
Ademir Santos Silva, 53 anos,
natural de Itacaré, Bahia tem no seu currículo, além de boas histórias, pelo
menos vinte malárias contraídas desde 1991 quando foi morar no meio dos Sanumá,
uma etnia indígena do leste de Roraima. O povo Sanumá cuja língua é um subdialeto
dos Yanomami tornou-se a família de Mimica, apelido pelo qual Ademir é
conhecido em todo o Brasil. Mimica conheceu a esposa - mãe de seus dois filhos
– Lucelene, em uma de suas idas para cidade para tratar a malária, que segundo
ele, era um dos poucos motivos que o tiravam da tribo naquela época.
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Reaproveitando material dos 'brancos', um dos indígenas adpatou os cipós para confeccionar seu par de sandálias. (Arquivo Pessoal) |
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Indígenas Sanumás. (Arquivo Pessoal) |
A realidade do missionário Mimica
é bastante diferente de tudo o que se considera como objetivo de vida na
sociedade. Segundo ele, no início acostumou tanto com a cultura dos indígenas
que quando precisava sair da tribo mal conseguia falar o português, mas que
hoje entende que é momento de compartilhar mais sobre as experiências que tem. Por
isso ao passar pelo Paraná visitou algumas bases da organização Jocum (JovensCom Uma Missão) e contou sobre seu estilo de vida. Além da Jocum, a família Silva
também está ligada a Meva (Missão Evangélica da Amazônia).
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Momento de culto de Santa Ceia dos Sanumás. No lugar do pão, o beiju. (Arquivo Pessoal) |
Decisões que mudam tudo
“Diante das decisões tomadas em
um determinado momento é preciso ter consciência das responsabilidades que elas
trazem”. Isso é o que Mimica defende ao relatar que em 1990 quando estava na
tribo indígena com uma equipe, os demais decidiram ir embora e ele optou por
ficar. “Quando você toma uma atitude, e se responsabiliza, alguma coisa tem que
acontecer, lá na frente terá que continuar decidindo para dar continuidade”,
diz.
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Indigenas com seus certificados de conclusão do curso de liderança. (Arquivo Pessoal) |
Citando um versículo bíblico que
diz que se um grão de trigo cair na terra e não morrer não vai dar fruto ele
compara como tem que ser a vida de quem quer andar na contramão do que todo
mundo costuma pensar e fazer. “Se não morrer para os próprios
desejos interiores, não vai frutificar. Quando decidi abrir mão do tipo de
pensamento da minha cultura, e aprender viver a cultura daquele povo, aflorou
tudo o que Deus queria realizar na minha vida e na deles”, comenta.
Mimica é consciente que estar
disposto a transformar a vida de outras pessoas que precisam, automaticamente
muda a própria vida dele. “Quando pensamos só em nós mesmos, ao fazer algo pelo
outro pensamos que estamos perdendo, que nosso retorno é ficar triste, mas
servir faz com que eu receba muito mais do que imaginava”, conclui.
Parece cena de filme, mas não é
Entre muitas histórias que viveu,
Mimica conta de uma em que alguns policiais estiveram na área indígena na qual
ele morava e servia. Ele lembra que são duas horas para chegar com um avião bem
pequeno nessa região de Roraima, e que nem ele nem os indígenas perceberam que pousou
um avião com esses homens. Os indígenas chamaram Mimica para falar aos
militares do Exército que havia quatro homens diferentes rondando a comunidade,
pois os indígenas não falam português, então os policiais “entenderam” que
Mimica estava tentando atrapalhar a missão que eles estavam realizando, e isso
foi o motivo principal de sua prisão, apesar do bom relacionamento com todos do
quartel, e mesmo assim eles resolveram cercar a casa da família de Mimica,
armados e entraram na casa, pelos quais fizeram várias acusações e o levaram
preso.
“Quando se pintam de vermelho os
indígenas estão em paz, mas quando se pintam de preto estão prontos para a
guerra com seus arcos e flechas, e foi assim que eles planejaram cercar o
quartel onde fui preso, mas antes que isso acontecesse, mas muitas pessoas
estavam orando e o resgate que os Sanumás estavam planejando graças a Deus não
foi necessário”, detalha. Mimica diz que depois dos fatos acontecidos, em uma
conversa com um dos líderes daquela tribo, disse que os policiais poderiam ter
atirado neles. “A resposta dele para mim me mostrou que eles estavam muito mais
dispostos a morrer por mim do que eu por eles, e eu entendi o quanto valia a
pena ajudá-los a cuidar da saúde do povo, viver na cultura deles, ensiná-los
coisas novas e bons princípios para suas vidas”, conclui. O processo contra
Mimica foi arquivado, e após cinco anos recuperou seus R$ 300 pagos na fiança.
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Sanumás diante de uma bíblia em sua própria língua e do Proclaimer, um aparelho que reproduz em áudio o Novo Testamento no idioma que é um subdialeto dos Yanomami. (Arquivo Pessoal) |
Reconhecimento
Duas das mais influentes
missionárias da Jocum confirmam o respaldo de Mimica por sua vida de dedicação
e trabalho em meio ao desconhecido. A linguista Márcia Suzuki, que hoje vive
com a família entre os Navajos - uma tribo indígena norte-americana – foi
professora dele em uma escola de treinamento transcultural em Porto Velho. “Super inteligente e engraçado,
mas com poucos anos de escolaridade, sofreu um bocado para aprender
linguística. No final do curso tivemos uma semana de projeto de aprendizagem de
línguas e foi aí que ele se revelou. Em poucos dias estava falando a língua Nadeb
melhor do que todos os colegas. Mímica tem um dom natural para comunicação, um
coração enorme, e é radicalmente obediente ao Senhor”, afirma Márcia.
Edna Gaspar também está fora do Brasil com sua família há alguns anos, morando
em Nova Zelândia ela trabalha com os nativos Maori e também demonstra
reconhecimento. “Amigo querido, saudades desse
herói”, escreveu ela em uma rede social ao ver uma foto de Mimica.