sábado, 2 de setembro de 2017

Transformar a realidade do povo Sanumá mudou a vida de missionário

Mimica em momento de descontração com a comunidade Sanumá (Reprodução do Facebook)


Desde 1991 vivendo no leste de Roraima, Mimica é nacionalmente conhecido pelo intenso e positivo relacionamento com a cultura indígena

Por Larissa Mazaloti

Ademir Santos Silva, 53 anos, natural de Itacaré, Bahia tem no seu currículo, além de boas histórias, pelo menos vinte malárias contraídas desde 1991 quando foi morar no meio dos Sanumá, uma etnia indígena do leste de Roraima. O povo Sanumá cuja língua é um subdialeto dos Yanomami tornou-se a família de Mimica, apelido pelo qual Ademir é conhecido em todo o Brasil. Mimica conheceu a esposa - mãe de seus dois filhos – Lucelene, em uma de suas idas para cidade para tratar a malária, que segundo ele, era um dos poucos motivos que o tiravam da tribo naquela época.
Reaproveitando material dos 'brancos',
um dos indígenas adpatou
os cipós para confeccionar
seu par de sandálias. (Arquivo Pessoal)

Mimica participou de duas escolas de treinamento em 1990, sendo uma delas voltada para estudos e vivência na área de Linguística. Ele conta que ao final do tempo teórico, quando uma equipe se preparava para ir até a tribo indígena, por conta de sua falta de habilidade com os métodos práticos ele ficou encarregado de fazer o que se chama de promoção social, ou seja, cuidar de tudo para que os linguistas fizessem o trabalho de campo. Mas com a convivência entre os Sanumás, em três meses de relacionamento na comunidade, Mimica já conseguia se comunicar o suficiente. “Um dia falando em uma reunião entre eles, perguntei se eles entendiam o que eu estava falando, um deles se levantou e disse: ‘evidente que estamos entendendo, pois você está falando em nossa própria língua’, e me faz lembrar a passagem bíblica de Marcos16:17 que diz: ‘Falarão novas línguas’”, relembra.  Com menos de seis meses Mimica traduzia para as equipes de saúde da Funasa e pregava nos cultos. Isso aconteceu e mudou a história dele e daquela tribo porque ele garante que Deus deu a capacidade de falar a língua daquela nação (cada etnia indígena no Brasil é considerada uma nação). “Tudo isso aconteceu porque meu coração estava disposto a servir”, afirma.
Indígenas Sanumás. (Arquivo Pessoal)

A realidade do missionário Mimica é bastante diferente de tudo o que se considera como objetivo de vida na sociedade. Segundo ele, no início acostumou tanto com a cultura dos indígenas que quando precisava sair da tribo mal conseguia falar o português, mas que hoje entende que é momento de compartilhar mais sobre as experiências que tem. Por isso ao passar pelo Paraná visitou algumas bases da organização Jocum (JovensCom Uma Missão) e contou sobre seu estilo de vida. Além da Jocum, a família Silva também está ligada a Meva (Missão Evangélica da Amazônia).
Momento de culto de Santa Ceia dos Sanumás.
No lugar do pão, o beiju. (Arquivo Pessoal)

Decisões que mudam tudo  

“Diante das decisões tomadas em um determinado momento é preciso ter consciência das responsabilidades que elas trazem”. Isso é o que Mimica defende ao relatar que em 1990 quando estava na tribo indígena com uma equipe, os demais decidiram ir embora e ele optou por ficar. “Quando você toma uma atitude, e se responsabiliza, alguma coisa tem que acontecer, lá na frente terá que continuar decidindo para dar continuidade”, diz.

Indigenas com seus certificados
de conclusão do curso de liderança.
(Arquivo Pessoal)
Citando um versículo bíblico que diz que se um grão de trigo cair na terra e não morrer não vai dar fruto ele compara como tem que ser a vida de quem quer andar na contramão do que todo mundo costuma pensar e fazer. “Se não morrer para os próprios desejos interiores, não vai frutificar. Quando decidi abrir mão do tipo de pensamento da minha cultura, e aprender viver a cultura daquele povo, aflorou tudo o que Deus queria realizar na minha vida e na deles”, comenta.

Mimica é consciente que estar disposto a transformar a vida de outras pessoas que precisam, automaticamente muda a própria vida dele. “Quando pensamos só em nós mesmos, ao fazer algo pelo outro pensamos que estamos perdendo, que nosso retorno é ficar triste, mas servir faz com que eu receba muito mais do que imaginava”, conclui.

Parece cena de filme, mas não é

Entre muitas histórias que viveu, Mimica conta de uma em que alguns policiais estiveram na área indígena na qual ele morava e servia. Ele lembra que são duas horas para chegar com um avião bem pequeno nessa região de Roraima, e que nem ele nem os indígenas perceberam que pousou um avião com esses homens. Os indígenas chamaram Mimica para falar aos militares do Exército que havia quatro homens diferentes rondando a comunidade, pois os indígenas não falam português, então os policiais “entenderam” que Mimica estava tentando atrapalhar a missão que eles estavam realizando, e isso foi o motivo principal de sua prisão, apesar do bom relacionamento com todos do quartel, e mesmo assim eles resolveram cercar a casa da família de Mimica, armados e entraram na casa, pelos quais fizeram várias acusações e o levaram preso.

“Quando se pintam de vermelho os indígenas estão em paz, mas quando se pintam de preto estão prontos para a guerra com seus arcos e flechas, e foi assim que eles planejaram cercar o quartel onde fui preso, mas antes que isso acontecesse, mas muitas pessoas estavam orando e o resgate que os Sanumás estavam planejando graças a Deus não foi necessário”, detalha. Mimica diz que depois dos fatos acontecidos, em uma conversa com um dos líderes daquela tribo, disse que os policiais poderiam ter atirado neles. “A resposta dele para mim me mostrou que eles estavam muito mais dispostos a morrer por mim do que eu por eles, e eu entendi o quanto valia a pena ajudá-los a cuidar da saúde do povo, viver na cultura deles, ensiná-los coisas novas e bons princípios para suas vidas”, conclui. O processo contra Mimica foi arquivado, e após cinco anos recuperou seus R$ 300 pagos na fiança.
Sanumás diante de uma bíblia em sua própria língua e do Proclaimer,
um aparelho que reproduz em áudio
o Novo Testamento no idioma
que é um subdialeto dos Yanomami. (Arquivo Pessoal)
Reconhecimento


Duas das mais influentes missionárias da Jocum confirmam o respaldo de Mimica por sua vida de dedicação e trabalho em meio ao desconhecido. A linguista Márcia Suzuki, que hoje vive com a família entre os Navajos - uma tribo indígena norte-americana – foi professora dele em uma escola de treinamento transcultural em Porto Velho. “Super inteligente e engraçado, mas com poucos anos de escolaridade, sofreu um bocado para aprender linguística. No final do curso tivemos uma semana de projeto de aprendizagem de línguas e foi aí que ele se revelou. Em poucos dias estava falando a língua Nadeb melhor do que todos os colegas. Mímica tem um dom natural para comunicação, um coração enorme, e é radicalmente obediente ao Senhor”, afirma Márcia.
 Edna Gaspar também está fora do Brasil com sua família há alguns anos, morando em Nova Zelândia ela trabalha com os nativos Maori e também demonstra reconhecimento. “Amigo querido, saudades desse herói”, escreveu ela em uma rede social ao ver uma foto de Mimica.


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