domingo, 14 de agosto de 2016

Me solte e me escute!

A humanidade está cheia de anseios. Vozes interiores gritam, pedem coisas, expressam necessidades. Caminhamos todos os dias carregados de necessidades íntimas, cujo tempo em que vivemos não é propício, pois individualmente cada um tem uma máscara e tudo bem, vamos seguindo. Estranhos até mesmo aos mais íntimos, preferimos o isolamento ao risco de expormos a nossa necessidade e privamos o outro também, de se doar, de doar o que tem.
Durante uma semana que estive no Rio de Janeiro vivi uma experiência fantástica nas ruas da comunidade Terreirão, no bairro Recreio dos Bandeirantes. Criei coragem para participar de uma intervenção maluca em que penduramos uma plaquinha no pescoço com pedidos como: “me conte sua história”, “me mostre uma dança”, “me dê alguma coisa”, “me molhe”, “me pinte”, “me elogie”. Entre essas, no primeiro dia eu escolhi estar com uma corda me amarrando e a plaquinha escrita “me solte”.
Nesse dia, uma das coisas mais marcantes foi quando uma moça parou o trânsito para descer do carro e “me soltar”. Ela disse que jamais poderia me deixar ali na rua amarrada, presa. Quando escolhi essa plaquinha a minha maior intenção era ter tempo com a pessoa que iria me desamarrar, podendo falar a elas sobre liberdade.
No segundo dia, com a oportunidade de vivenciar outra experiência, escolhi a plaquinha com a frase “me escute”.  No caminho até o local da intervenção eu fui tomada por um pavor absurdo, me questionando o porquê eu escolhi isso e o que eu iria fazer, o que falar para quem topasse me escutar. Chegando lá eu vi que precisaria tomar uma atitude pró-ativa, indo até as pessoas. Comecei me apresentando e dizendo o por que estávamos ali e logo consegui encontrar situações para falar da falta de diálogo entre as pessoas, sobre a pressa e as preocupações do dia a dia, bem como incluir as pessoas como participantes do meu desafio do dia, de ser ouvida.
Naquela noite eu ouvi de um homem muito sábio algo que fez todo o sentido. Ele disse que cada um pegou a plaquinha, não apenas pelo efeito que faria nas pessoas, mas porque cada pedido refletia um desejo pessoal e íntimo. Claro! É assim que as coisas funcionam: de dentro para fora. Primeiro acontece em mim e depois no outro.
Quando eu expressei o pedido de ME SOLTE, embora hoje eu experimente uma liberdade inédita nos meus trinta anos de vida, no momento em que me dei conta do que me levou a escolher o pedido eu percebi o quanto há de mim que ainda precisa vivenciar o que é ser livre de verdade. Talvez uma profunda timidez que em prendido minha criatividade e tem enclausurado dons, até mesmo artísticos. Porque se habita em mim um desejo pela arte, há algo que precisa ser solto. E há anos que eu tenho convivido com um tipo de frustração nessa área. Do que estou me escondendo, afinal?
Já quando resolvi expressar a vontade de ser ouvida descobri, não somente a falta de pessoas disponíveis e dispostas a me ouvir, mas a grande necessidade e aprender virtude do silêncio, a habilidade de calar, a sabedoria de falar. Ao pedir para ser ouvida eu me deparei com a minha desordem interior, com uma multidão de pensamentos – e muitos deles coerentes e importantes – mas que talvez não devam ser falados – ainda ou nunca. Ao contrário das minhas frustrações que me escondem, comunicar é algo que me expõe demais. Para quem quero aparecer? Por que quero mostrar?
E ao final, o homem sábio também me disse: você não precisa convencer sobre quem quer ser, você já está se tornando essa pessoa.




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